quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

 

PALAVRA DE VIDA

E habitou entre nós...(Jo 1,1-18)

                A antiga profecia falava de uma Virgem que daria à luz um menino, como sinal de que Deus estava presente e acompanhava os caminhos do povo da Aliança. E o nome do menino seria Emanuel, isto é, Deus conosco. É comum traduzir este nome profético (pois aponta a descida do Verbo ao nosso mundo) apenas em sentido social: Deus entre nós, no meio do povo. Mas é muito mais amplo e profundo o sentido do nome Emanuel: Deus-conosco quer dizer Deus-em-nós, na carne dos humanos. Com certeza, desde a Anunciação – quando Maria ouviu do Anjo Gabriel: “O Senhor está contigo” -, tão logo disse seu sim, Maria teve consciência de que Deus estava em seu íntimo de forma palpável. Estava cumprida a promessa do Emanuel...

                Diferente daquela “presença” do Antigo Testamento, quando Deus se “mostrava” na sarça ardente, na nuvem luminosa, nos trovões do Sinai, agora vê-se a presença corporal, pois o Filho de Deus se encarnou e nasceu de Mulher.

                Não podemos imaginar o cenário de Belém, quando dormia sobre a palha da manjedoura um Menino que era Deus, mas tinha um corpo de homem. Não sabemos recuperar aquele olhar de Maria sobre o recém-nascido, pura contemplação do Deus encarnado. No máximo, nos aproximamos disso, quando fitamos Jesus eucarístico presente na Hóstia consagrada. De qualquer modo, o verbo grego que traduzimos por “habitou entre nós” – eskénosen – esconde em seu interior a palavra “tenda” – skéne. E eu gosto de pensar que Deus se agradou de nós a tal ponto, que veio acampar conosco, fincando definitivamente em nosso solo humano a sua barraca, a sua tenda.

                Podemos encerrar o ano com o hino natalino composto por Santo Afonso de Ligório – “Tu scendidallestelle” -e traduzido por Dom Marcos Barbosa:

                Desceste das estrelas, Rei celeste,

                e à gruta escura e fria tu vieste:

                ó divino Pequenino, eu te vejo aqui tremer,

                Deus encarnado...

                O quanto te custou me haver amado!

Tu, que plasmaste a terra e o céu fizeste,

faltam-te, agora, ó Deus, coberta e veste.

Ó querido estremecido, a que extremos queres vir:

esta pobreza

mostra, do teu amor, toda a riqueza.

Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

 

PALAVRA DE VIDA

Servia a Deus com jejuns e orações... (Lc 2,36-40)

                A vida tem etapas. Todas elas têm seu sentido. O evangelista São Lucas “gastou” apenas três versículos para registrar a presença de uma profetisa que teria passado despercebida entre os anjos e os magos do Natal. Na juventude, Ana se casara. Acompanhara o marido por sete anos. Depois enviuvou e atingiu a idade incomum, na época, de oitenta e quatro anos. Mas a velhice não a reteve nos bordados e na cadeira de balanço: não saía do Templo, servindo a Deus com jejuns e orações.

                Hoje, em plena sociedade de produção e consumo, as pessoas costumam ser avaliadas por sua produtividade e eficiência, de modo que os idosos, não raro, são vistos como “bananeira que já deu cacho” – assim dizem os roceiros. Considerados um peso inútil, os idosos correm o risco de introjetar essa imagemnegativa, deixando de lado oportunidades reais, típicas da velhice.

                É o caso do vovô que está sempre disponível para ouvir os netos. Mas é também a situação da vovó que passa boa parte de seu tempo debulhando as contas do rosário, verdadeira boia de salvação para muitos familiares que andam longe de Deus.

                Os homens práticos se dedicam de bom gosto à vida ativa, vendo-se recompensados pelo fruto de seu trabalho pelo Reino de Deus, inclusive a ação pastoral e a evangelização, ao menos enquanto o corpo jovem o permite. E, natural, corremos o risco – observa o teólogo Garrigou-Lagrange – de “exagerar a necessidade de nossa cooperação, diminuindo a necessidade da oração e desprezando a eficácia de nossas súplicas e a atuação da Providência, que tudo dirige. Seria isto uma espécie de naturalismo prático. As almas provadas devem, ao contrário, rezar particularmente, pedir o socorro de Deus para perseverarem na fé, na confiança e no amor. É preciso dizer-lhes que, nessa dura provação, se continuam a rezar, este é um sinal de que, apesar das aparências, elas são atendidas; é que não se pode continuar a rezar sem uma nova graça atual. E Deus que, desde toda a eternidade, previu e quis nossas orações, suscita-as em nós”.

                Bendita velhice que corta nossas asas, acostumadas a voarem alto, poda nosso orgulho, mas não rouba de modo algum a nossa “utilidade” para a Igreja, pois ainda nos permite uma vida dedicada à oração, que carrega permanentemente as baterias da máquina da Igreja!

 

Orai sem cessar: “Ainda na velhice eles darão frutos...” (Sl 92,15)

Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

 

PALAVRA DE VIDA

Ele recebeu-o nos braços...(Lc 2,22-35)

                O Velho Simeão representa bem aquela fatia do povo da Primeira Aliança que, como sentinela sobre a muralha, atravessara os séculos em atenta vigília, à espera do Messias prometido. Os ícones da Igreja do Oriente mostram o Menino todo luminoso nas mãos de Simeão, que tem os olhos fitos nos olhos Menino, a ponto de se poder traçar entre eles uma linha reta.

                Como pano de fundo, a frase de seu Cântico, o “Nunc Dimittis”: “Meus olhos viram a tua salvação”. Cumprida a promessa de Deus, tendo já testemunhado a fidelidade de Deus, Simeão canta: “Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo!” Isto é, já posso morrer, pois vivi o momento-chave de minha vida.

                Por isso mesmo, ao presenciar a chegada de José e de Maria, que traziam o Menino para sua apresentação no Templo do Senhor, Simeão estende prontamente os braços no gesto de acolhida. Este ancião é a imagem daqueles que, movidos pela Graça de Deus, abrem a Jesus a alma e o coração, tomando-o como centro e motivo de sua existência.

                Mas permanece atual o grande mistério da recusa do Cristo. São ainda numerosos aqueles que não se abrem ao oferecimento gratuito de salvação, na pessoa de Jesus. Tal como no tempo de Cristo, quando muitos de seus contemporâneos o recusaram, em especial aqueles que teriam algo a perder – política ou financeiramente –com a adesão ao Mestre de Nazaré, também hoje há pessoas e grupos de coração empedernido, que movem contra Cristo e sua Igreja a mais feroz oposição.

Deixando de lado a hipótese de uma opção consciente pelo Anticristo, a atitude desse exército inimigo pode ser entendida como uma reação de defesa, apegados que estão a projetos e ideais que nascem da ambição e do ódio, da concupiscência e da luxúria, da ganância e do hedonismo pagão. Para eles, o Mártir do Calvário é permanente ameaça. Por isso guerreiam contra Ele, pensando com isso preservar sua liberdade e sua autonomia. Nada diferente do pecado das origens, quando o primeiro casal acatou a sugestão monstruosa de decidir, por conta própria, o que era o bem e o que era o mal... A mesma soberba, a mesma rebeldia.

                E Simeão abraça o Menino, sabendo que nele está a sua razão de viver...

                E nós?

 

Orai sem cessar: “Para teu servo, realiza tuas ordens!” (Sl 119,38)

Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

 

PALAVRA DE VIDA

Herodes mandou matar...(Mt 2,13-18)

                Esta é uma das páginas mais terríveis dos Evangelhos: o assassinato em massa de crianças inocentes. Ainda estávamos enlevados com o lirismo da gruta de Belém, e o ódio do rei invade a cena. Tentando atingir o novo “rei” que o ameaça, Herodes manda exterminar todas as crianças “de dois anos para baixo”, na humilde cidade de Davi.

                Eis o comentário de Edith Stein: “Desde o dia seguinte ao Natal, a Igreja depõe as vestes brancas de festa e se reveste da cor do sangue. Estêvão, o primeiro mártir a seguir a Senhor, e as crianças inocentes, lactentes de Belém e de Judá, que foram degoladas pelas mãos cruéis dos carrascos, reúnem-se em torno do Menino no presépio, formando o seu séquito.

                Que significa tudo isto? Onde está agora a alegria dos exércitos celestes? Onde a silenciosa ventura da noite santa? Onde está a paz sobre a terra?

                ‘Paz na terra aos homens de boa vontade!’ Mas nem todos são de boa vontade. O misterioso poder do mal envolvia o mundo na noite, e foi preciso que o Filho do Pai eterno descesse da glória do céu. As trevas cobriam a terra e ele veio como a luz que brilha nas trevas, e as trevas não o receberam.

                Para aqueles que o receberam, ele trouxe a luz e a paz; a paz com o Pai do céu, a paz com todos aqueles que também são filhos da luz e filhos do Pai, e a paz profunda do coração, mas não a paz com os filhos das trevas. Para estes, o Príncipe da paz não traz a paz, mas a espada. Para eles, Jesus é a pedra de tropeço contra a qual eles avançam e que os quebra. Eis a grave e pesada verdade que não deve dissimular o poético encanto do presépio.

                O mistério da encarnação e o mistério do mal estão estreitamente ligados. À luz descida do céu vem opor-se, tanto mais sombria e lúgubre, a noite do pecado.”

                E nós pensávamos que a Encarnação do Filho e sua presença entre nós fosse o início daquele reino decantado por Isaías, quando o lobo e o cordeiro pastariam juntos... Em nossa inocente ilusão, imaginávamos que o mal se entregaria sem reação, que as crostas do ódio se fundiriam em rios de mel...

                Não. O mal resiste ao bem. A avareza rejeita a partilha. O poder recusa a igualdade. A ambição não tem olhos para o pobre. No meio das palhas de trigo, o Menino estende a cada um de nós as mãozinhas inocentes, mas são muitos os que preveem prejuízos com a chegada de Jesus. Qual será a nossa reação?

Orai sem cessar: “Não esqueças para sempre, Senhor, a vida de teus pobres!” (Sl 74,19b)

Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

 

PALAVRA DE VIDA

A visita do Sol nascente...(Lc 1,67-79)

                Um dos símbolos litúrgicos do Cristo Ressuscitado é a imagem do Sol nascente. Dono de luz própria, dominador do dia, fonte de vida e fecundidade, o astro-rei simboliza ricamente alguns aspectos de Jesus, o Salvador.

                Em várias passagens da Escritura, Deus é apresentado sob a figura da “luz”. Para o povo que caminhava no deserto, a presença de Deus se manifestava como uma nuvem luminosa (cf. Ex 14,20). Textos messiânicos (como Is9) falam da luz que se oferece a um povo que caminhava nas trevas. O Apóstolo João chega a definir Deus como luz: “Deus é luz e nele não há treva alguma.” (1Jo 1,5.) O próprio Mestre assim se apresenta: “Enquanto eu estiver no mundo, eu sou a luz do mundo.” (Jo 9,5.)

                No rito dos fiéis defuntos, a Igreja pede: “Senhor, que a Luz eterna brilhe para eles!” Na Vigília Pascal, por certo a mais bela celebração de todo o ano litúrgico, a luz ocupa lugar central. O Círio Pascal – imagem do Cristo que venceu as trevas da morte – é introduzido no templo às escuras, ao som do hino do “Exultet”:

                Cera virgem de abelha generosa

                Ao Cristo ressurgindo trouxe a luz;

                Eis de novo a coluna luminosa,

                Que o vosso povo para o céu conduz.

                O círio que acendeu as nossas velas,

                Possa esta noite toda fulgurar;

                Misture sua luz à das estrelas,

                Cintile quando o dia despontar.

                Na véspera do Natal, a liturgia nos apresenta o Salvador como o Sol, cuja luminosidade invade o coração dos fiéis desde a experiência do batismo cristão. Falando sobre este sacramento, São Justino de Roma nos diz: “Esta ablução chama-se ‘iluminação’, porque os que recebem tal doutrina ficam com o espírito cheio de luz. E, também, em nome de Jesus Cristo, que foi crucificado por Pôncio Pilatos, e em nome do Espírito Santo, que predisse pelos profetas toda a história de Jesus, é lavado aquele que é iluminado.”

                Neste Natal, peçamos ao Senhor a graça de experimentar em nosso interior uma nova luz, que nos leve a reconhecer com mais clareza a nossa missão neste mundo.

 

Orai sem cessar: “Os que olharam para o Senhor estão radiantes!” (Sl 34,6)

Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

 

PALAVRA DE VIDA

Que vai ser este menino? (Lc 1,57-66)

                O menino é João, o Batizador. O espanto geral com seu nascimento brota principalmente do fato de Isabel, a mãe, ser uma velha que por muitos anos viveu a humilhação da esterilidade. Só uma intervenção direta de Deus tornou possível a vida nova. Daí o nome da criança: João – isto é, “Deus me agraciou”.

Some-se a isto a mudez de Zacarias, o pai, desde a visão do anjo no Templo, e a recuperação da voz com o nascimento do menino. O inesperado e a surpresa arregalaram os olhos de muita gente em EinKarim... Daí, a pergunta que se repetia: “Que vai ser este menino?”

                Pensando bem, esta mesma pergunta devia ser ruminada pelos pais a cada nascimento. Repetido o milagre (pena que a gente se acostume com milagres repetidos!) da fecundação, da gestação e do nascimento, contemplando o menino no berço, os pais deviam se interrogar sobre o futuro da criança. Melhor: deviam buscar intimamente os desígnios de Deus para o filho que lhes foi dado.

                Afinal, ninguém vem a este planeta sem o toque do dedo de Deus. E ninguém chega até esta nave provisória sem uma missão específica, uma tarefa pessoal e intransferível, como os convites de baile de antigamente: “pessoal e intransferível”. Se a criança nasceu, cabe a ela um papel no drama da humanidade. E os pais são os primeiros coadjuvantes na descoberta desse papel.

                Não seria esta a melhor definição para “educação”? Fazer vir à tona, à superfície do EU, a missão confiada à criança que chegou? Quando falhamos nesta coparticipação, aumentamos a possibilidade de desvios e fracassos.

                Não existem crianças “comuns”. Um novo filho não é “mais um”. O mistério oculto no fundo do novo ser devia arregalar nossos olhos a cada nascimento. Diante da vida nova, é urgente fazer a pergunta das aldeias próximas de Jerusalém: “Que vai ser este menino?”

                No caso de João Batista, nascia um profeta. Uma voz para clamar no deserto dos homens. Aquele que correria na frente – o pré-cursor – do Messias que se aproximava. Curtido pelo sol do deserto e inspirado pelo Vento das montanhas, João iria abalar o seu tempo, mesmo ao preço da própria vida.

                No nosso caso, qual será a nossa missão? De que modo deveríamos abalar a nossa geração? Qual a tarefa pessoal que nos foi designada?

Orai sem cessar: “Um filho nos foi dado...” (Is 9,5)

Texto de Antônio Carlos Santini, da Comunidade Católica Nova Aliança.